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JAGUNÇO VERSUS VAQUEIRO EM CHÃO DAS CARABINAS: A CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS POR MEIO DOS VALORES CULTURAIS

Posted by FLAVIO ALVES DA SILVA on 16:58
F. A. SILVA¹, M. F. R. MEDINA²

¹ Acadêmico do Curso de Letras. Voluntário no PROICT do CEULP/ULBRA. E-mail: flavioalves77@yahoo.com.br
² Doutora em Filologia Hispânica e professora do Curso de Letras do CEULP/ULBRA.

VII Jornada de Iniciação Científica CEULP/ULBRA
(Trabalho premiado com o 1º Lugar do Prêmio Jovem Cientista 2007 do Centro Universitário Luterano de Palmas - CEULP/ULBRA)

RESUMO:
A construção da obra de arte é gerada sob a lente da cultura e pelas mãos de um artista que trabalha sob influência dos valores estabelecidos pela cultura em que vive e/ou a que pertence. Este trabalho apresenta uma análise da composição valorativa de dois tipos de personagens, o vaqueiro e o jagunço, constituídos conforme os padrões culturais de uma dada sociedade. Tem-se como corpus de trabalho a obra Chão das Carabinas (2002). O conceito de cultura de Laraia (2003) e de Benedict (1972); e o conceito da composição dos valores, de Nietzche (2005), o fundamentam teoricamente. A contraposição de valores do jagunço e vaqueiro evidencia a construção do ser decorrente do poder formador/transformador da cultura.

PALAVRAS-CHAVE:
Constituição de Personagens, Vaqueiros e Jagunços, Valores Culturais.

INTRODUÇÃO:
No romance Chão das Carabinas ocorre, de forma implícita, subliminar, um
conflito de valores entre as personagens. A contraposição acontece entre dois stratus de uma sociedade medieval, o vaqueiro e jagunço, no sertão do norte goiano, hoje Tocantins. O confronto se realiza devido a essas personagens serem constituídas a partir de valores axiológicos a obra, exteriores ao contexto literário do romance. Elas são geradas por decorrência dos valores culturais de determinada sociedade, como por exemplo, status social e padrões religiosos. Com isso, a visão cultural é um fator determinante nas composições da obra de arte e de seus componentes, como as
personagens, pois segundo BAKHTIN (1997, p. 214) “o contexto de valores em que se realiza e é pensada a obra literária não se reduz apenas ao contexto literário”. No romance de Moura Lima a inserção de valores conflitantes dessas personagens se dá por meio da construção das suas ações e dos seus comportamentos, o que foi constatado a partir dos conceitos antropológicos de cultura como uma força que constitui e transforma valores atribuídos a uma dada conduta de ser.

MATERIAIS E MÉTODOS:
O objetivo deste trabalho é analisar a composição de conceitos valorativos de personagens romanescas. Construção realizada por meio da atribuição, a eles, de
conceitos de valores culturais de uma dada sociedade. Neste trabalho analisa-se a composição das personagens que, para fins metodológicos foram divididas em dois tipos: vaqueiros e jagunços. O método utilizado, para tal inquirição, foi a análise comparativa entre as classes supracitadas. A investigação foi desenvolvida em duas etapas seqüenciais. Na primeira, foi realizado um levantamento de dados e elaborada um paralelo entre os valores atribuídos às personagens. Já na segunda, é estabelecida uma discussão referente a legitimidade de uma valorização de um dos tipos de personagens em detrimento do outro.Tem-se como corpus de trabalho a obra romanesca de Moura Lima (2002). Teve como fundamentação teórica, a ótica cultural antropológica de Laraia (2003) e de Ruth Benedict (1972); e das relações e relatividade da composição a priori dos valores culturais de Niestzche (2005) que apresentam a alternância de conceitos culturais entre diferentes culturas e a
influência na composição do ser, e,conseqüentemente, das personagens.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A construção das personagens se evidencia no confronto de valores que aparece na obra entre vaqueiro e jagunço. O autor trabalha com uma linguagem regionalista, descritiva dos personagens e do ambiente no qual ocorre a ação. Isso promove uma caracterização e uma valorização da fauna e da flora típicas da região, como também dos personagens, ao evidenciar peculiaridades de suas vidas e seus modos de conduta. Na narrativa de Chão das Carabinas são inseridas no desenvolver da trama partes da vida difícil de vaqueiros e jagunços do sertão tocantinense, possibilitando com isso efetuar-se a contraposição entre os parâmetros de vida dessas personagens. O Vaqueiro apresenta-se como um indivíduo composto por valores morais, éticos e religiosos. Configura-se por uma personalidade forte que em seu direito e em defesa da honra vai até às últimas conseqüências, característica marcante que é expressa até mesmo no nome. É um ser rude, embrutecido pela realidade em que vive pelo fato de enfrentar as asperezas do sertão e de pegar boi bravo a unha. É homem de coragem e valentia, é um ser honrado, de palavra e amante da justiça. Sua agilidade, suas habilidades e suas armas são usadas apenas para sua sobrevivência no sertão inóspito. Em contraposição, encontra-se o Jagunço, um ser valente, idônito e feroz, perverso e traiçoeiro que atira pelas costas e mata inocentes. É considerado um homem desprovido de honra e de senso de justiça. Sua crueldade e deboche não são gerados pelo mundo em que ele se encontra, mas pelo saldo que lhe for pago. Mantém-se sob o mando dos coronéis, em nome de uma obediência cega que o priva de vontade própria. Vive sem lealdade, pois trabalha para quem lhe pagar mais. Não respeita a justiça ou a lei estatal e suas armas estão sempre prontas para matar e saquear. O vaqueiro Noratão, cujo nome de pronúncia forte nos remete a um ser robusto e altivo contrapõe-se ao jagunço que é dotado de uma personalidade distorcida e mascarada que oculta os nomes ao revelar apenas codinomes como Zeca-Tatu e Marimbondo. O romance Chão das Carabinas (2002) faz uma exaltação aos valores do vaqueiro em detrimento à vida de jagunço, pois o primeiro é dotado de lucidez, vê a realidade em que vive e as injustiças praticadas sem tomar parte nelas. É um ser livre e vitorioso na vida sertaneja ao ser recompensado com prosperidade, fartura e felicidade, consideradas uma bênção por seus princípios e sua conduta. Enquanto o segundo permanece preso a seus instintos animalescos, sem reconhecimento ou bênção material ou espiritual, sobrevivendo das sobras de seus mandantes e tem como única recompensa a morte. No entanto, dois fatores são determinantes na vida dessas personagens: o ambiente, o sertão goiano – hoje tocantinense – áspero, cruel e selvagem; e a sociedade desse contexto, portadora de uma cultura do coronelismo, da opressão, do descaso governamental e da lei do mais forte. Esse modo de vida ainda medieval no qual vivem as personagens da obra, as impelem a desenvolver seus instintos das mais variadas maneiras. Contudo, o jagunço não difere, essencialmente, do vaqueiro nesta questão, pois ambos possuem seus respectivos códigos de honra. Eles convergem na severidade das ações, na obstinação de levar suas decisões até as últimas conseqüências, mesmo que precisem matar para alcançar seus objetivos. Essa determinação não é proveniente do prazer, pois O princípio da conservação do indivíduo (ou ‘temor da morte’) não deve ser derivado das sensações de dor e de prazer, mas de algo diretivo, de uma avaliação que é a base dos sentimentos de prazer e desprazer. Melhor ainda, pode dizer-se isto da conservação da espécie: ‘mas esta não é mais que uma conseqüência da lei da conservação do indivíduo’, não é uma lei originária (NIETZCHE apud Santos, 2005a, p. 37). Sendo assim, ela é oriunda da necessidade prioritária do ser: a sobrevivência. Na obra algumas ações evidenciam isso, a exemplo temos a recusa do vaqueiro Noratão em participar do massacre e sua posterior saída da vila; e o ataque às pessoas seguido do saqueamento das casas pelos jagunços. No entanto, “nem sempre as relações de causa e efeito são percebidas da mesma maneira por homens de culturas diferentes” (LARAIA, 2003, p. 89).

CONCLUSÕES:
O confronto de valores evidenciados na narrativa de Moura Lima em Chão das Carabinas demonstra visão da formação do ser por meio de conceitos culturais. A elevação do vaqueiro e a inferiorização do jagunço devido a suas ações e seus comportamento parte de uma dada ótica numa sociedade interiorana brasileira. A formação cultural de quem constrói uma personagem é que determina seus valores, e o meio pelo qual se determina isso é, via de regra, a cultura, pois “a cultura é uma lente através da qual o homem vê o mundo” (BENEDCT apud Laraia, 2003, p. 67). A diferenciação entre jagunço e vaqueiro estabelecida na obra, e que pode ser constatada pelo confronto de valores culturais dentro do cenário onde se realiza a ação romanesca, é de ordem “natural” nas mais variadas culturas. Isto é devido as relações de graus de valor existentes numa mesma sociedade. Hierarquia evidenciada no fato de que “o costume de discriminar os que são diferentes, porque pertencem a outro grupo, pode ser encontrado dentro de uma mesma sociedade” (LARAIA, 2003, p. 74), o que ocorre na obra investigada. A construção das personagens analisadas é feita pelo autor através da lente cultural com que ele vê o mundo em que vive e/ou recria. Sendo por isso orientado por seus conceitos culturais e por sua escala própria de valores, que na verdade nada mais é do que um reflexo dos padrões ideológicos da sociedade na qual vive e/ou a que pertence. Portanto, a exaltação ao vaqueiro e a inferiorização do jagunço encontrada na obra romanesca de Moura Lima (2002) trata-se de uma visão cultural fundamentada em padrões valorativos. Contudo, esses valores limitam-se à cultura e não ao prazer de sujeitar o ser no que tange a seu instinto, a priori, de sobrevivência, pois “ao mais forte de nossos instintos, ao tirano interior, sujeitam-se não só a nossa razão, como também a nossa consciência” (NIETZCHE, 2005b, af. 297). Sendo com isso ilegítima, em essência, a exaltação de um tipo e a inferiorização de outro, pois esse fato evidenciado em Chão das Carabinas é possível apenas sob o reflexo da manipulação de um sujeito criador, que por sua vez é asujeitado e também reflete em sua (re)criação a cultura que o forma e/ou compõe seu universo (re)criado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 1972.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003.
LIMA, Moura. Chão das Carabinas. Gurupi. Gráfica e Editora Cometa, 2002.
NIETZCHE, Friedrich Wilhelm. Vontade de Potência I. São Paulo: Ed. Escala, 2005.
______. Vontade de Potência II. São Paulo: Ed. Escala, 2005.
SANTOS, Mario D. Ferreira. “Prólogo”. In. NIETZCHE, F. W Vontade de Potência I. São Paulo: Ed. Escala, 2005.

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