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JAGUNÇO E VAQUEIRO EM CHÃO DAS CARABINAS: UM ESBOÇO ARQUITETÔNICO

RESUMO:
A construção de um romance depende da relação estabelecida entre seus componentes – material, forma e conteúdo – para constituir-se em uma verdadeira obra estética. Na obra Chão das Carabinas, é narrado um fato histórico na linguagem da prosa romanesca com realces de valores culturais do cenário onde se realiza a ação. Conforme Bakhtin (1997) “o autor é orientado pelo conteúdo (pela tensão ético-cognitiva do herói em sua vida) ao qual ele dá forma e acabamento por meio de um material determinado” em sua obra Moura Lima trabalha o material, os dados históricos, na forma da prosa romanesca sempre sob a orientação ético-cognitiva do conteúdo, dos valores culturais. Essa construção arquitetônica pode ser constatada pelo confronto de valores entre jagunços e vaqueiros realizado na obra.

PALAVRAS-CHAVE:
Vaqueiros e Jagunços, Valores Culturais, Arquitetônica do romance.

INTRODUÇÃO:
No romance  Chão das Carabinas ocorre um conflito de valores entre o vaqueiro e jagunço dentro da composição arquitetônica da obra. Esse confronto se realiza devido a essas personagens serem constituídas a partir de valores  axiológicos a obra, exteriores ao contexto literário do romance. Elas são geradas dentro contexto de valores culturais de determinada sociedade, sendo esses conceitos determinantes em suas composições, pois segundo Bakhtin (1997) “o contexto de valores em que se realiza e é pensada a obra literária não se reduz apenas ao contexto literário”. No romance de Moura Lima a  inserção de valores conflitantes dessas personagens de dá por fatores estruturais apresentados dentro da construção arquitetônica da obra estética.

MATERIAIS E MÉTODOS:
O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise  de fatores estruturais do gênero romance em seu processo de formação  pelos seus componentes indissolúveis como uma construção arquitetônica. O método utilizado, para  tanto, foi a análise do romance  Chão das Carabinas (2002) de Moura Lima com enfoque no aspecto composicional da obra na qual é apresentado um confronto de valores entre vaqueiro  e jagunço. Teve como fundamentação a teoria da arquitetônica, de Bakhtin (1997), para quem uma obra de arte  tem em sua composição uma indissolubilidade entre suas partes componentes, sendo somente assim possível sua existência como obra estética.

RESULTADOS E DISCUSSÕES:
Em Chão das Carabinas, Moura Lima trabalha com um material concreto, parte de dados reais do contexto historiográfico para elaborar uma narrativa que transforma esses dados, molda-os em uma nova forma, reveste-os em uma outra linguagem e os transporta para dentro do contexto literário da prosa romanesca. Com isso o material abordado é superado pelo fazer artístico, pois “a tarefa do artista, que é condicionada pelo desígnio artístico, consiste em superar um material” (BAKHTIN, 1997). Essa superação se evidencia no confronto de valores que se realiza na obra entre vaqueiro e jagunço. Para promover esse conflito o autor trabalha esculpindo o material de maneira detalhada, com uma linguagem regionalista, descritiva dos personagens e do ambiente no qual se realiza a ação. Isso promove uma caracterização e uma valorização da fauna e flora típicas da região assim como também dos personagens ao evidenciar peculiaridades de suas vidas e modos de conduta. Na narrativa de Chão das Carabinas são inseridas dentro do desenvolver da trama, partes da vida difícil de vaqueiros e jagunços do sertão tocantinense possibilitando assim efetuar a contraposição entre os parâmetros de vida dessas personagens.
O Vaqueiro apresenta-se como um indivíduo composto por valores morais, éticos e religiosos. É um ser rude, embrutecido pela realidade em que vive, de enfrentar as asperezas do sertão e de pegar boi bravo à unha, de coragem e valentia, porém é um ser honrado, de palavra e amante da justiça. Sua agilidade, suas habilidades e  suas armas são usadas para sua sobrevivência no sertão inóspito. Em contraposição encontra-se o Jagunço, um ser valente, idônito e feroz, perverso e traiçoeiro que atira pelas costas e mata inocentes. É desprovido de honra e de senso de justiça. Sua crueldade e deboche não são gerados pelo mundo em que ele se encontra, mas pelo saldo que lhe for pago, vivendo sob o mando dos coronéis em nome de uma obediência cega que o priva de vontade própria. Vive sem lealdade, justiça ou lei e suas armas estão sempre prontas para matar e saquear. Enquanto o vaqueiro é configurado por uma personalidade forte que em seu direito e em defesa da honra vai ate as últimas conseqüências. Característica marcante que é expressa até mesmo no nome, no caso, o vaqueiro Noratão, cujo nome de pronuncia forte nos remete a um ser robusto e altivo. Já o jagunço é dotado de uma personalidade distorcida, mascarada, oculta até mesmo os nomes, já que eles recebem apenas codinomes como Zeca-Tatu, Marimbondo. O romance Chão das Carabinas faz uma exaltação aos valores do vaqueiro em detrimento à vida de jagunço, pois o primeiro é dotado de lucidez, vê a realidade em que vive e as injustiças praticas sem tomar parte nelas. É um ser livre e vitorioso na vida sertaneja ao ser recompensado com prosperidade, fartura e felicidade, uma benção por  seus princípios e por sua conduta. Enquanto que o segundo permanece preso a seus instintos animalescos, sem reconhecimento ou benção material ou espiritual, sobrevivendo das sobras de  seus mandantes e tendo como única recompensa a morte.

CONCLUSÕES:
No romance Chão das Carabinas a abordagem realizada em seus aspectos estruturais demonstra que existe uma composição interdependente entre o material, a forma e o conteúdo da obra, pois a mesma não se restringe ao material sendo esse moldado de acordo não apenas com a forma, mas em unidade com o conteúdo. Partindo de um fato histórico, o material concreto a ser trabalhado, o autor trabalha esse material dentro da forma romanesca da prosa, moldando-o, dando a ele a forma estética desejada. Para tanto,  não se limita ao trabalho formalista de estruturar o material, inseri na construção da obra o contexto de valores e com isso proporcionando um determinado conteúdo a mesma o que o orienta em toda sua construção conforme Bakhtin(1997) “o autor é orientado pelo conteúdo (pela tensão ético-cognitiva do herói em sua vida) ao qual ele dá forma e acabamento por meio de um material determinado” . O confronto de valores evidenciados na forma narrativa demonstra a interdependência e a indissolubilidade dos elementos – material, forma e conteúdo – constituintes da construção arquitetônica da obra estética, além de contribuírem relevantemente para a divulgação e valorização da cultura regional, constituindo Chão das Carabinas em uma obra estética de forma arquitetônica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, M.  A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. Contexto de François
Rabelais. Trad. de Yara Frateschi. 4.ed. São Paulo: Hucitec; Brasília: Edunb, 1999.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão. 2.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
BARROS, Otávio. Breve história do Tocantins e de sua gente – uma luta secular. Araguaína -To:
Solo Editores, 1997.
BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada. São Paulo: Perspectiva, 1972.
BRUNEL, P. MADELÉNAT, D. GLIKSOHN, J.-M. COUTY, D. A Crítica Literária. São Paulo.
Ed. Martins Fontes, 1988.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Trad. de Cleonice Paes Barreto e Consuelo
Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16 ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editora, 2003.
LIMA, Moura. Chão das Carabinas. Gurupi. Gráfica e Editora Cometa, 2002.
MOISÉS, Massaud. A análise literária. 11.ed. São Paulo: Cultrix, 1998.
__________. A criação literária. Prosa II. São Paulo: Cultrix, 2001.
__________. A Criação Literária: Prosa I. 17.ed. São Paulo. Ed. Cultrix, 2000.
OLIVAL, Moema de Castro e Silva.  Moura Lima: a voz pontual da alma tocantinense.
Gurupi: Gráfica e Editora Cometa, 2003.
REUTER, Yves. O texto, a ficção e a narração.Trad. Mario Pontes. Rio de Janeiro:Difel, 2002.
SILVA, Vitor Manuel de Aguiar e.  Teoria da Literatura. 8.ed. Coimbra: Almedina, 1967.
SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004.

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PROGRAMA DE INCENTIVO A LEITURA DO TOCANTINS É INSERIDO NO PLANO NACIONAL DO LIVRO E LEITURA - PNLL

No mês de junho de 2010 o Mediadores de Leitura do SESC/TO foi integrado ao Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em conformidade com o Eixo de Ação 2, em três das suas áreas de atuação:
Eixo de Ação 2 – Fomento à Leitura e à Formação de Mediadores
2.1 – Formação de mediadores de leitura.
Nessa área o Mediadores do SESC/TO atua em sua primeira fase com o Curso de Formação. Acesse http://www.vivaleitura.com.br/pnll2/mapa_show.asp?proj=1610
2.2 – Projetos sociais de leitura.
2.3 – Estudos e fomento à pesquisas nas áreas do livro e da leitura.
Nessas áreas o Mediadores do SESC/TO atua com as Rodas de Leitura nas escolas e programas da instituição. Acesse http://www.vivaleitura.com.br/pnll2/mapa_show.asp?proj=1615
Sendo PNLL instituído pelo Ministério da Cultura e Ministério da Educação e é um conjunto de políticas, programas, projetos, ações continuadas e eventos empreendidos pelo Estado e pela Sociedade, para promover o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas no Brasil. Tendo como finalidade assegurar a democratização do acesso ao livro, o fomento e a valorização da leitura, e o objetivos de formar leitores, buscando de maneira continuada substantivo aumento do índice nacional de leitura (número de livros lidos por habitante/ano) em todas as faixas etárias e do nível qualitativo das leituras realizadas; dentre outros.
A inserção e divulgação do Mediadores de Leitura do SESC/TO dentro PNLL é um reconhecimento do Governo Federal à importância e à qualidade do trabalho cultural em literatura desenvolvido pelo SESC/TO, por meio de sua Coordenação de Cultura/Promotoria de Literatura. E reconhecendo e divulgando o SESC/TO como uma instituição que participa ativamente na formação intelectual e cultural do cidadão tocantinense; e proporcionado para seus usuários e para a comunidade em que se insere o acesso, por meio da cultura, a uma melhor qualidade de vida.

Em 2010, já foi realizado (no mês de abril) o Curso de Formação em Mediadores de Leitura capacitando 30 pessoas.
E as Rodas de Leitura - que tiveram seu inicio em maio e vão até outubro de 2010 - estão atendendo a 220 crianças e adolescentes e a 05 instituições, sendo elas:

03 Escolas da rede pública:
Colégio Estadual CEM Castro Alves - aqui são atendidos 35 adolescentes.
Colégio Municipal Paulo Freire - aqui são atendidas 60 crianças.
Centro de Atenção Integral à Criança - CAIC - aqui são atendidas 35 adolescentes.
01 Escola da rede privada
Colégio Madre Clélia Merlone - aqui são atendidos 60 adolescentes.
01 Associação:
Federação Tocantinense de Kick Boxer Tradicional - projeto social de artes marciais e educação. - aqui são atendidos 30 adolescentes.

É a literatura formando novos leitores da palavra e do mundo, revolucionando o ensino-aprendizagem com a mediação de saberes, e transformando escolas, professores e alunos em construtores e mediadores do conhecimento.

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TRAJETÓRIAS IMUTÁVEIS: DETERMINISMO E POSITIVISMO EM "LUZIA HOMEM"

Posted by FLAVIO ALVES DA SILVA on 17:33
A obra Luzia-Homem de Domingos Olímpio traz em si a influência das correntes de pensamento Positivista e Determinista. Dentre as partes da obra em que ocorrem as manifestações dessas teorias, foi escolhida para o desenvolvimento desse trabalho a trajetória das personagens. Também entre elas ocorre uma delimitação da análise e com isso foram escolhidas três delas: Luzia, Alexandre e Teresinha, sendo a última o principal enfoque desse trabalho.
Começamos por Alexandre. Um jovem de origem rica, pele branca, escolarizado e, por conseguinte, situado na classe alta da sociedade em que vivia. Sua origem, sua cor e sua instrução lhe proporcionavam regalias como trabalhar no armazém e receber maior quantidade de ração. Sua atenção desmedida para com Luzia era um fator considerado errado pela maioria das outras pessoas devido a diferença entre suas origens raciais. Um homem de cor branca não poderia ter uma relação afetiva com uma mulher de cor diferente. Sendo dessa forma impossível de se tornar realidade o amor que aflora em seu coração. O determinismo mostra-se tão inviolável que não permite que o amor dele por Luzia seja concretizado na obra. Outra manifestação ocorre no caso do roubo do armazém. A posição que Alexandre ocupa naquela sociedade o deixa quase imune da acusação e gera uma insuspeita e consideração generalizada de inocência por parte das demais personagens. Um moço daquela estirpe jamais poderia cometer tal falha. E isto é comprovado, reforçado e perpetuado ao ser provada a sua idoneidade. Por último, a oportunidade de sair daquela terra inóspita lhe é oferecida de forma exclusiva, reafirmando, implicitamente, que sua categoria não poderia ser rebaixada, o que era representado por sua união à Luzia.
Esta, por sua vez, é uma mulher bela, valente no trabalho, gentil e cuidadosa, oriunda da raça negra e retirante do sertão. Representa a determinação da eterna luta pela sobrevivência. A cotidiana batalha pelo pão de cada dia exercida pelo retirante e que perpetua sua dependência e sua manutenção na plebe. A Ela não se dá o direito de sonhar e menos ainda de amar, principalmente um homem branco. O amor que surge em seu coração é sempre sufocado por ela ao pensar nas diferenças existentes entre ela e Alexandre. É uma personagem fadada a sucumbir na condição em vivia, sem qualquer possibilidade de ascensão. Seu lugar era aquele, o sertão, e seu destino o sofrimento. Não lhe era permitido sequer chegar até a praia ou ter felicidade com a saúde da mãe ou o amor de Alexandre. Sua submissão retrata a ação determinista e positivista sobre ela, pois não se devia nem mesmo questionar a razão da impossibilidade de seu amor, de sua felicidade e de uma mudança de vida. A única possibilidade era aceitar.
Por fim abordamos Teresinha. Esta tem em sua trajetória de vida a manifestação explícita do determinismo positivista. Sua infância, em companhia do pai, é totalmente determinada pelo contexto do meio em que vive. Na fazenda ela sai montada a cavalo e indo vaqueirar o gado em companhia do pai e dos outros vaqueiros. Uma convivência que influencia até mesmo seu modo de montar, escanchada feito homem. Depois, ao ir viver com seu primeiro marido sua vida passa a ser de uma retirante acompanhando-o na eterna busca de melhora. Nesta fase, Teresinha se acostuma ao modo de vida em que está e mesmo com algumas saudades da vida abastarda que tinha com sua família ela aceita o seu fado. Após a morte do esposo ela passa a ter uma vida de mendigagem até encontrar o segundo homem de sua vida. Esse período de vida com seu segundo companheiro ela é vítima de violência sexual, física e simbólica, mas mesmo vivendo sob essas condições não há vontade em abandona-lo e ela asujeita-se de tal forma que chega a ter saudades dessa vida no futuro.
Seqüencialmente Teresinha é carrega por outro homem que viria a ser seu terceiro companheiro. Este a coloca em um local afastado do mundo social reservando-a ao seu desfrute quando bem entendesse. Contudo, mais uma vez não há resistência, não é permitido rejeição para com seu carma. Quando o desejo por ela acaba seu companheiro a abandona ao acaso e o destino dela é de continuar sua vida como uma retirante, como um "farrapo de gente" em busca do pão da sobrevivência. Sua aceitação é mais uma vez presente e ela se acostuma a morar de qualquer maneira e viver sem expectativas de melhorias e de mudança de vida.
Portanto, ao visualizamos a vida dos personagens analisados em seus acontecimentos e em suas reações a estes vem à luz a atuação do determinismo e do positivismo. Os reflexos dessas teorias nas trajetórias das personagens de age de tal forma a conceberem suas rotas de forma imutável, sem qualquer possibilidade de alteração e/ou de rejeição de seu destino. É sempre mantida a sujeição dessas personagens às forças sociais e biológicas conduzindo-as a aceitarem e a agirem de acordo com as regras desses organismos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem.
COMTE, Augusto. Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: Ed. Escala, 2005. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 30).

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A LOUCURA EM "O RECADO DO MORRO" DE GUIMARÃES ROSA

                                                               "Muitas vezes,
                                                                até mesmo um louco
                                                                raciocina bem"
                                                                                                  Provérbio grego

A verdade não reside na sabedoria, nem acompanha a sabedoria. Antes trilha as veredas bifurcadas ao lado daquela que livra o homem das preocupações e com sua própria voz afirma "sou eu a única capaz de alegrar a deuses e homens". É a força motriz de todo engenho humano. Motivo e/ou meio pelo qual se realiza os acontecimentos. Sendo assim, na verdade, a guia da sabedoria, pois a esta, enquanto verdade é oriunda daquela. Este único bem supremo é a Loucura. Nela se juntam todas as coisas, desde o senso comum e o saber científico até o sagrado e o profano.
Em O Recado do Morro, a loucura é a grande força mística que opera para o desenvolvimento dos atos e é por meio dela que tramita e pulsa toda a ação e densidade dramática da narrativa.
A mensagem enviada a Pedro Osório, vulgo Pê-Boi, viaja dentro da lucidez ofuscante da loucura por meio das personagens consideradas pela sociedade como loucas e/ou sem um juízo bem formado. Primeiro Malaquias "o Gorgulho", depois Catraz o qualhacoco, desse é passada ao menino Joãozezim e em seguida ao Guégue, este a transmite para o Jubileu ou Santos-Óleos "o nominêdomine", que a divulga na igreja e acaba sendo acolhida pelo coletor e repassada ao Ludelim Pulgapé e dele a seu destinatário.
Cada uma dessas personagens possui atributos de loucos e são assim considerados. Eles apresentam em si várias das formas da loucura. Dois deles, Gorgulho e Qualhacoco, vivem isolados em locas nas montanhas, avessos a tudo e a todos se restringem a um contato extremamente necessário com outras pessoas. É a loucura do isolamento. Um outro era o Guégue "o bobo da fazenda [...] ah, um especialmente" (ROSA, p. 38-39). A loucura da demência. Já o Santos-Óleos pregava o fim do mundo e vivia em penitência ao modelo dos profetas do cristianismo. É a santa loucura da religião. Enquanto que o Coletor tinha sido alterado em seu juízo pelo sonho de riqueza. A poderosa loucura do dinheiro. E quanto ao menino Joãozezim não se pode dizer que não tinha juízo certo, mas as crianças é negado o direito de possui sabedoria por falta de idade e conseqüente experiência. Ser louco é ser criança. É não saber o que se faz ou que se diz. É a loucura da infância. Por ultimo Laudelim Pulgapé é um poeta, um cantador. Tem sobre si o estigma do sonhador, do homem que vive no mundo da lua. Na insanidade da poesia e da música. É a loucura dos poetas e escritores.
Esses estados de loucuras os deixam mais sensíveis e os elevam em espírito sendo somente assim possível entenderem, mesmo sem ter consciência disso, a mensagem a ser transmitida. A loucura mostra-se superior a tudo, inclusive ao místico, pois o acolhe em si e o transporta. Diametralmente oposta a isso está a sabedoria. Sua inferioridade enquanto consciência, aqui tido como sanidade mental, é evidenciada nos momentos de transição da mensagem, pois ela é repassada sempre na presença dos personagens não-loucos, inclusive Pê-Boi, e mesmo assim eles não a entendem. Enquanto não ocorre entendimento por esses um louco compreende. Devido a esse não entendimento a mensagem continua a viajar dentro do universo da insanidade mental dos seres humanos sempre se fazendo presente, sendo dita a todos e em especial a Pedro Osório até o momento em que este a compreende. Este momento epifanico acontece conforme James Joyce define a epifania. Como sendo esta "uma manifestação espiritual subida" (Apud Gotlib, 1999).

Traição... Caifás... Parecia coisa que tinha estado escutando a vida toda! Palpitava o errado. Traição? Ah, estava entendendo. Num pingo dum instante. (ROSA, p 74 – grifo nosso).

Faz-se importantíssimo ressaltar o momento em que isso acontece, pois tal fato ocorre quando Pê-Boi está sob efeito do álcool, portanto em uma situação de anormalidade da sanidade mental, uma situação de loucura.
Nesse conto, além da mensagem correr pela voz dos loucos, a força geradora, em sua essência desencadeadora de ação, de todo o engenhoso plano de emboscada não é outra senão a loucura. Pode-se afirmar que o ciúme e o ódio é que levaram os sete homens a almejarem a morte de Pê-Boi, pois este
Era ainda teimoso solteiro, e o maior bandoleiro namorador: as moças todas mais gostavam dele do que qualquer outro; por abuso disso, vivia tirando as namoradas, atravessava e tomava a que bem quissese, só divertimento de indecisão. Tal modo que muitos homens e rapazes lhe tinham ódio, queriam o fim dele [...] (ROSA, p. 14)
Contudo, esses sentimentos não eram por si sós, ou mesmo juntos, capazes de levar qualquer um, ou todos, de seus inimigos a tentarem a sorte em combate. "[...] se não se atreviam a pegá-lo era por sensatez de medo, por ele turana e primão em força, feito um touro ou uma montanha" (ROSA, p. 14). Sendo assim eles apenas tomam coragem de realizar o atentado sob forma de traição, porém a iniciativa da ação de combate não parte deles exatamente por se encontrarem em um estado considerado de sabedoria. O embate só tem início em um momento de loucura de Pedro Osório ao entender a mensagem

Soprou.  "Doidou, Pê? Que foi?" Traição, de morte, o dano dos cachorros!  "Pois toma, Crônico!"  e puxou no Ivo um bofetão, com muito açoite. (ROSA, p. 74-75).

A loucura perpassa toda a narrativa d'O recado do morro. Sua compreensão exige o entendimento da mensagem a ser transmitida e só dentro da condição de loucura ela pode ser entendida plenamente. Seus portadores possuem o dom supremo. A Loucura. A provedora dos sentimentos de felicidade e
                                                  Aqueles que tiveram o privilégio tão raro desses sentimentos
                                                  experimentam uma espécie de demência. Têm discursos 
                                                  incoerentes, estranhos para a humanidade. Pronunciam 
                                                 palavras sem sentidos e a expressam de seus semblante
                                                 muda a cada instante. (ERASMO DE ROTTERDAM, p. 106).

Com isso o conto tem como sua essência geradora e força motriz a loucura. Aqui, esta é mais que uma personagem. É o que conduz as personagens. É o fio condutor da construção de sentido da história narrada. Podemos então concordar com Erasmo de Rotterdam e afirmamos que a loucura domina o mundo e se faz presente em casos extraordinariamente comum como o narrado por Guimarães Rosa.



BIBLIOGRAFIA
ERASMO de rotterdam. Elogio da Loucura. São Paulo: Ed. Escala, 2005. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal – 3).
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. São Paulo: Ed. Ática, 1999. (Série Princípios).
ROSA, João Guimarães. No Urubuquaquá, no Pinhém. 7ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

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TROHVOZES - Novos contadores de histórias despertam suas vozes

O grupo TROHVOZES é originário e residente em Pium - Estado do Tocantins - e é composto por dez integrantes, sendo eles quatro garotas e seis garotos adolescentes, com exceção de uma das garotinhas que anota menos de dez aninhos. O TroHVozes é ligado ao Ponto de Cultura Pesqueiro de Piaus - de volta as raizes e mantido pela a Associação Beneficente Nossa Senhora do Carmo - Abnsc, e despertou suas vozes durante o curso Contando histórias - transformando mundos, um curso de formação em contadores de histórias ministrado pelo pesquisador em cultura popular Flávio Alves da Silva, e pela contadora de história Télia Batista Cavalcante, realizado pela Abnsc com apoio da Nagô Editora e Livraria.
O nome forte e emblemático TROHVOZES é uma aglutinação de Trovadores de Historias de volta as raízes e é ao mesmo tempo uma referência, uma homenagem e um compromisso. Uma referência a linha de ação do grupo que trabalha com os contos populares e autorais buscando abrir portais em os diversos mundos contidos nos livros e no imaginário popular e transportar seus ouvintes/espectadores a uma apaixonante excursão por seus fantásticos lugares e aventuras. Uma homenagem aos antigos andarilhos contadores de historias que viajavam de um lugar para outro contando em suas trovas, canções e narrativas, as inúmeras historias desses lugares, de seus povos, seus mitos e suas lendas. E também é um compromisso desses jovens contadores de historias com o resgate, a preservação e a propagação do patrimônio cultural e histórico da cidade de Pium, ao erguerem suas vozes para anunciar a todos os reinos e mundos a existência desse inestimável tesouro imaterial que pulsa, vive e anima as fabulosas historias vividas física ou imaginariamente pelo povo piunense.

Os contadores de historias que compõem o TroHVozes são:
Kassio Henrique; Jenniffer; Daniela Morais; Gabriel Santarem; Thallis; Flavio Costa; Nivínny Cristine; Anderson; Lais Leite; e Gustavo Valadão.

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OFICINA DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS EM PIUM

A Associação Beneficiente Nossa Senhora do Carmo, da cidade de Pium-TO, promoveu nesse final de semana (22 e 23/05/2010) uma oficina de contação de histórias para os jovens da comunidade. A oficina contou com os palestrantes e contadores de histórias Flávio Alves da Silva e Télia Batista Cavalcante como facilitadores do trabalho. Foram trabalhadas técnicas de contação de historias como a narração, a personificação de personagens, postura e entonação vocal, utilização do corpo como forma de expressividade da historia contada. Além disso foi desenvolvida a utilização de recursos auxiliares na contação, sendo realizada a confecção de fantoches pelos participantes.
Com esse trabalho foi proporcionado a formação de contadores e multiplicares da arte de contar história, o inicio de uma sensibilização da comunidade da Associação Nossa Senhora do Carmo para a importância da literatura e da contação de histórias e a inserção da contação de histórias como a força motriz do Ponto de Cultura Pesqueiro de Piaus - de volta as raizes.
A oficina foi totalmente de vivências, onde a teoria e a técnica da contação de histórias foram debatidas na prática do ato de contar. Com momentos individuais e momentos divididos em grupos, onde cada pessoa e equipe trabalhou aléms dos elementos teoricos/técnicos apresentados a experenciação de dar asas a sua imaginação ao criar historias e maneiras difentes de narração contos tradicionais e autorais de forma bem prática nas atividades de contação de histórias.
Sendo os debates e dinâmicas vivenciais de grupo e individuais baseados na problematização de situações cotidianas que evidenciem a arte de contar histórias. As informações pessoais, técnicas de socialização de experiências, de preparação de histórias, a confecção de instrumentos auxiliares e a teorização e aplicação prática do contar e encantar permite investigar a contação de história como um instrumento de ensino de leitura e produção de texto oral e escrito.


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A PRODUÇÃO LITERÁRIA NO TOCANTINS

Analisar a produção literária no Tocantins nos leva consequentemente a questão da quantidade e da qualidade. Quanto a quantidade, dizer que o Tocantins possui uma produção literária pequena é um pouco arriscado. Se nos referimos ao números de autores, podemos considerar que ainda temos um número pequeno. A maioria desses autores são poetas, alguns contista e pouquíssimos romancistas. Quanto a produção técnica, são ainda mais raros os que produzem ensaios ou exercem a crítica literária. Agora se pensarmos produção enquanto quantidade de material preparado por seus autores, teremos um quantitativo bem maior do que o que vemos circulando. Temos autores que mais de um livro pronto para publicar. No entanto, temos uma publicação pequena. A pequena presença de editoras, e a maioria não especializadas em produção de livros no Estado, o alto custo cobrado pelas gráficas no Estado ou pela publicação em outros Estados, a falta de incentivos públicos e privados permanentes para a publicação, são alguns pontos dificultantes para a produção literária tocantinense. No entanto, devemos levar em consideração que o Estado do Tocantins é extremamente jovem e não podemos querer que já tivéssemos um grandioso número de publicações. Ao se considerar esse ponto podemos evitar o equívoco de ficarmos comparando a produção tocantinense com a de outros Estados, já com uma história de vida bem mais longa que a nossa. Temos uma pequena quantidade, mas que aumenta em um bom ritmo. Quanto a questão da qualidade, claro que não se aplica a todas as obras, mas a produção de modo geral também ainda apresenta muitos problemas. Baixa ou ausência de literariedade em obras publicadas como literatura, baixa qualidade estética das obras - tanto ao conteúdo quanto ao produto livro -, classificação inadequada das obras nos gêneros literários, a não transcendência temática, a reprodução mimética do mundo, dentre outros, são fatores qualitativos que precisam serem desenvolvidos na literatura produzida no Tocantins. Alguns fatores como, por exemplo, a pequena existência de atividades formadoras como cursos, oficinas, debates, seminários, para os autores já existentes e para formação de novos autores; a ausência - e até mesmo resistência - de se trabalhar com a literatura tocantinense nas escolas, a resistência das livrarias em comercializar os livros tocantinenses, colaboram para esse não desenvolvimento. A existência de organizações com as acadêmias de letras - ATL, APL, AGL, ACALANTO, dentre outras - são importantes e devem contribuir muito com a produção literária, por ser a essência desse tipo de organização a busca pela união da classe, pela produção e pela difusão da literatura. A presença no Tocantins de empresas que desenvolvem ações culturais de formação e leitura literária - como o SESC e Fundação Fé e Alegria - que proporcionam incentivos financeiros - como a REDE/CELTINS - que proporcionam parcerias e serviços especializados na área de publicação e assessoria literária na produção - como a NAGÔ EDITORA - e que promovem atividades de discussão do fazer literário como debates e seminários como as faculdades - UFT e UNITINS - também são de extrema importância para o desenvolvimento da produção e da própria literatura tocantinense e um exemplo a ser seguido por outras instituições, sejam elas públicas ou privadas.

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MUGAMBI – UM MARCO NA HQ TOCANTINENSE

Posted by FLAVIO ALVES DA SILVA on 17:49 in , , , , , , , , , ,
A produção de literatura em quadrinhos no Tocantins é ainda muito pequena. Excetuando alguns trabalhos de produção e circulação entre pequenos grupos de amigos. Como referência, podemos citar apenas a Liga do Cerrado. E agora a revista Mugambi surge com qualidade estética, ótima história e um considerável projeto gráfico. Sem dúvida é um marco representativo de qualidade e profissionalismo. A opção pela publicação em preto e branco também se mostra como um fator marcante como seleção de um padrão de qualidade, esse tipo de produção exige mais ainda do quadrinista, pois ele abre mão de alguns recursos tecnológicos e da força das cores, para nos mostrar o poder que a luz e a sombra podem exercer nos desenhos e na composição da história. Uma força tão grande que causa e possibilita inúmeras interferências em nossas leituras e também na construção de novas leituras. A presença do nosso ambiente de vivência - Palmas e alguns lugares do Estado do Tocantins - agrega o valor do regionalismo e, no entanto, não o limita a uma região, pois as referências e os acontecimentos da história que ocorrem em outros lugares do mundo a faz globalizada. E a universalidade lhe é conferida pelas duas questões debatidas na obra: o preconceito racial e a preservação da natureza. O racismo ao negro é o ponto central da trama e provoca, de forma radical, um debate sobre essa segregação maquiada que existe em nossa sociedade ao colocar a pigmentação da pele de todos no mundo para a cor negra como a solução para conter a mortandade mundial causada por um vírus altamente contagioso. No entanto, outros tipos de preconceitos étnicos são trazidos para a reflexão, como a discriminação aos povos árabes e aos indígenas. A historia e o debate étnico também se destacam com a personificação do protagonista ser um negro. A valorização das origens do brasileiro também se faz presente na narrativa. Se em Macunaíma temos um herói que é tido como uma personificação da identidade brasileira com uma grande inclinação as origens indígenas, em Mugambi temos um herói que valoriza e assume suas origens africanas, mas sem desprezar a parte indígena. Se no inicio a raça negra apresenta a cura para o vírus, na atualidade da narrativa a raça indígena traz em seu DNA, em seus costumes e tradições a fórmula para solucionar o problema. Mugambi traz um resignificado da personificação da identidade brasileira que com muita coragem e luta a cada dia vem construindo uma nova mentalidade e que assumi cada vez mais suas raízes africanas e sua miscigenação. Com tudo isso a publicação de Mugambi representa mais que o surgimento de mais uma revista em quadrinhos no Tocantins, é a demonstração e afirmação ao público que o Tocantins possui e é capaz de produzir literatura de qualidade.

(Texto publicado no Jornal do Tocantins de 07 de maio de 2010. Seção Opinião, pág. 4)

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