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MISSA DO GALO – EU OUVI

Posted by FLAVIO ALVES DA SILVA on 20:18
MISSA DO GALO – EU OUVIR

Por Flávio Alves da Silva

Eu ouvir certa vez contarem uma história acerca de uma conhecida família lá das bandas do Rio de Janeiro. É, nos tempos que lá era corte. Ouvir essa história várias vezes, mas duas delas é que se encontram mais frescas em minha memória. A primeira era narrada por um homem. Ele falava com as lembranças. Com certeza ele é que vivera tal história. Já a segunda eu não sei direito que contava, mas sei que ele não estava dentro da história. Conhecia bem o acontecido e falava sobre ele por meio de D. Inácia. Deve ter sabido por ela.
Ambos falavam de D.Conceição e do Sr. Nogueira. Há! Certeza que a primeira vez que ouvir era este senhor que falava. Devia de ter saudades, ele tinha em mãos um Recordações do Escrivão Isaías Caminha, e talvez desejasse reviver aquele momento. Tratava da estádia dele na casa dela. Da espera de Menezes para ir assistir a missa do galo na corte e, principalmente, particularmente, da conversa entre eles durante essa espera. Todo o restante era adereço. O que realmente importava era os dois sozinhos naquela sala. Um todo empiriquitado, de terno, sapatos luzidos. Outra só de roupão e chinela. Conversando baixinho, ou melhor, cochichavam. Como falava o narrado desconhecido, D. Inácia tomou conhecimento do fato no mesmo momento. Ela viu tudo. Pelo buraco da fechadura. Como ela não iria saber. Logo ela que tinha o sono leve uma pluma. E tinha que zelar pela sua filha, já que Menezes não fazia assim como seu falecido tinha feito com ela. Essa comparação entre o finado, Seu Veiga, e o Menezes é muito bem apresentada por D. Inácia. O morto, como todo morto, é um ser perfeito, havia sido ótimo esposo e pai de família. E ela ao contrário de Conceição vivera em outros lugares. Uma vida social ativa. Compras, idas ao teatro, ao senado, enfim, não vivera presa em casa como sua pobre filha. E tudo por culpa do Menezes. Esse não passava de um mulherengo.
Quanta inocência eu percebi no primeiro relato. Não do homem que relatava, mas daquele homem que viverá a história. O que contava não faria agora o que fez, ou melhor, provavelmente faria o que não fez. Sugestões para uma aventura haviam acontecido e uma completa contemplação tivera sobressaído a tudo. Havia muito medo de acontecer alguma coisa no segundo relato. Pensamentos e calafrios percorreram o corpo da mãe à estreita. Os dois conversando, às vezes bem próximos, outras, pouquíssimas, longe. Sempre com cuidado para falarem baixo.
A traição pairava no ar, suspensa por um fio tênue. Uma linha fronteiriça entre a admiração idolátrica e o desejo dionisíaco. Ingenuidade e lascívia. Jovem e Mulher. Esse pecado da Igreja e da sociedade é que deve ter perpetuado essa história. Não o pecado em si, mas as aparências exigidas pela sociedade. Macho e fêmea sozinhos à noite era inadmissível. Já se pensava em pecaminosidade. Sendo ela casada era pior, adultério. Ela devia ser como o pai fora. Um santo. E a amiga de Conceição? É. A gentil amiga que visitara a Valois de Seu Veiga. Menezes não estava em casa, tinha ida ao teatro. Ia ser o outra na vida de outra de sua vida. O teatro é o palco por excelência das representações humanas, onde representamos as simples coisas não permitidas, mas realizadas cotidianamente. Os dois controlaram-se. Assim dizia a mãe, assim pesava ele. Contudo aquela noite fora mágica, ele sonhara e ela fantasiara. Tudo podia ter acontecido. Ninguém via tudo o que aconteceu. A vigilante devaneou em suas lembranças e na visão do homem de preto. Os amantes não confessariam, jamais. Não há provas, não existe crime. Qual crime? Conversar? Sonhar? Desejar? Realizar?!
Conceição era santa. A esposa perfeita. Modelo desejado por todos. Era a sociedade personificada. Sabia de tudo do Menezes, mas não fazia alarde. Era só aparências. Pura mediocridade. Ela não fora Capitu, jóia rara, mulher mineral, conforme dizia Seu Veiga. Será que não fora mesmo Capitu? Parecia diferente da mãe. Parecia. Ela era uma rocha que quando se arma a tormenta recebia os impactos das águas e sempre o tempo soprando e soprando com feras roedoras a carcomer-la. Eles não ficaram juntos. Ela resistia a tudo, até ao Sr. Nogueira. ?!?!.
Eu sempre lembrarei dessa história. Como ela sutilmente esgrima a verdade ante a verdade pregada pela sociedade de si tão cega. Com certeza essa narrativa deve ter acontecido por outros pontos de vista. Quem a viveu pode contá-la. Quem soube dela não guarda segredo. Tive o prazer de ouvi-la de mais de um ângulo. De refletir sobre ela. Terei o prazer em levar comigo essa ambigüidade presente nas palavras desse causo. Quem contou nos disse uma mensagem sem dizê-la. Seu tempo não lhes permitiu contar tudo. Ou talvez não o quisessem fazer.

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